“O Capote e outras histórias”, de Nikolai Gógol

O absurdo como quem não quer nada

Tem autor que não te prepara. Ele simplesmente te joga dentro da história e confia que você vai topar o que vier. Gógol faz isso com uma maestria quase debochada. Em O Capote e outras histórias, ele apresenta um mundo onde o bizarro surge devagar, no meio da rotina, como quem aparece para tomar um café. E você vai lendo, achando tudo muito normal… até se dar conta de que está rindo de um nariz que criou vida própria ou de um funcionário público que acha que pode conversar com cachorros.

 

“O Nariz” e “Diário de um Louco” foram os contos que mais me marcaram. Eles têm uma ironia seca, um humor estranho e ao mesmo tempo uma melancolia que parece estar sempre à espreita. É como se tudo fosse engraçado até certo ponto, até que você se toca de que a piada tem um fundo trágico. É ali, nesse ponto de virada, que Gógol brilha. Ele escreve como quem observa o mundo de canto de olho, sem jamais olhar diretamente. E nesse olhar enviesado, tudo se transforma.

 

O realismo que ele propõe é instável. Ele brinca com o cotidiano, mas nunca entrega o que a gente espera. As histórias parecem flutuar entre o real e o imaginário, como se a sanidade dos personagens estivesse sempre prestes a escorregar. O resultado é um estranhamento gostoso, desses que fazem a gente se perguntar: e se o mundo for mesmo um pouco mais esquisito do que parece?

 

"Entre o riso, o delírio e o estranhamento, Gógol vira tudo ao avesso."

O Capote, que dá nome ao livro, é talvez o mais simbólico de todos. A história de um homem invisível que ganha atenção apenas quando compra um casaco novo diz muito sobre a sociedade, sobre o valor que se dá às aparências e sobre o que resta quando esse valor é arrancado. A crítica está lá, mas sem tom professoral. Gógol não ensina, só mostra. E isso é mais potente do que parece.

 

No fim, ler Gógol é topar entrar num universo em que tudo parece errado, mas faz total sentido. É rir meio sem saber por quê, se sentir desconfortável sem entender de onde vem o incômodo. E, de alguma forma, gostar disso tudo. Porque no fundo, o mundo que ele mostra é estranho… mas não tão diferente assim do nosso.

Estilo: Literatura Russa

Nota da Leitura:

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