A moça que mudava de personalidade toda vez que trocava de senha

Ela trocava de senha como quem trocava de vida: com direito a crise existencial, mudança de humor e nome novo no grupo da firma.

Quando esqueceu a senha do banco, virou minimalista. Ao recuperar a do streaming, virou cinéfila cult. Já teve fase de crossfit, fase budista e uma fase intensa de defender gatos na internet. Tudo depende do código de acesso. A última senha era “paz_&_foco2023”, mas depois que ela trocou pra “meudeus123”, passou a gritar com o micro-ondas.

Não era proposital. As senhas vinham com humores embutidos. Era só digitar que a identidade inteira se moldava à vibração da combinação. Um CPF espiritual. Um mantra aleatório. Um download de alma.

Quando usava “GatinhaTop2009”, sentia vontade de responder stories com emojis exagerados e fazer coreografias do TikTok sem culpa. Já com “Nietzsche4ever”, passava horas julgando os colegas no LinkedIn e escrevendo poemas soturnos num bloco de notas offline.

“CafeínaLiberta!” dava taquicardia só de pronunciar. Com “AmorPleno33”, passou duas semanas mandando bom dia no grupo da família e compartilhando vídeos de cachorrinhos com legenda motivacional. Um caos previsível.

As amizades começaram a sofrer com isso. Uma amiga mandou mensagem dizendo “você sumiu!” e ela respondeu “agora sou introvertida_zen89, espero que compreenda”. Quando voltou a ser “adrenalinaFULL2022”, organizou uma rave no quintal com luz de LED e energético vencido.

No trabalho, virou piada. A cada troca de e-mail, mudava a assinatura e a personalidade. Teve semana que era líder motivacional e semana que era designer conceitual que só se comunicava por referências. RH pediu uma reunião. Ela respondeu com um gif enigmático e pediu férias espirituais.

“Criou um diário para anotar os efeitos colaterais de cada senha.”

  • • Senhas com números pares = insônia.
    • Senhas com símbolo de exclamação = mania de controle.
    • Senhas com o nome do ex = caos.
    • Senhas com datas = nostalgia passivo-agressiva.

 

Um dia, cansada da própria instabilidade, tentou redefinir tudo. Criar uma senha neutra, universal, livre de influência. Tentou “senha”. Reprovada por ser fraca. Tentou “vida123”. Recusada por já estar em uso. Tentou “eu_mesma_de_verdade”. O sistema travou.

Passou três horas olhando pra tela, tentando lembrar quem tinha sido com cada senha.
Sentiu saudade de algumas. Vergonha de outras. Um pouco de raiva de “fitness_e_firme_2017”.

Desligou o computador. Respirou fundo. Pegou papel e caneta e escreveu uma senha nova.
Simples, direta, sem pretensão.

Mas antes de apertar Enter, hesitou.

Porque, no fundo, sabia: não era ela que escolhia as senhas. Eram elas que escolhiam quem ela ia ser.

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