“Live and Let Die” de Ian Fleming

Uma leitura envolvente, mas cheia de marcas do tempo

Viva e Deixe Morrer é o segundo livro da saga de James Bond escrita por Ian Fleming, e, pra ser bem sincero, ele me deixou dividido. De um lado, é tudo que se espera de uma boa aventura de espionagem: perseguições, planos mirabolantes, um vilão de respeito, locais exóticos e o clássico agente 007 saindo de situações impossíveis com classe, violência e uma pitada de sedução. A narrativa é ágil, os capítulos têm um ritmo certeiro e você nem vê o tempo passar. Mas, do outro lado, tem o que incomoda. E incomoda muito.

Quando a aventura esbarra nos limites do tempo

Logo nas primeiras páginas, já dá pra sentir que algo ali não envelheceu bem. O livro é uma cápsula de uma época em que o racismo, a misoginia e o pensamento colonialista não eram apenas normais, eles eram estruturais. O modo como Fleming descreve personagens negros é grotesco, cheio de estereótipos, como se todos fossem parte de uma caricatura mal disfarçada de “tradição local”. É como assistir um filme antigo e perceber que a piada que antes arrancava risos, hoje só causa constrangimento. Dá pra entender o contexto histórico, mas não dá pra ignorar.

É uma pena, porque Mr. Big, o vilão da vez, é um dos antagonistas mais interessantes da série. Ele é inteligente, cruel e estrategista. Sua figura imponente dá o tom certo de ameaça. A ambientação em Nova York e no Caribe também é ótima. E Solitaire, a médium que se envolve com Bond, tinha tudo pra ser uma personagem forte, mas acaba sendo reduzida a um papel raso, indefeso, quase decorativo. O livro perde muito quando se recusa a dar profundidade para as mulheres da história. E não é por falta de espaço, é por escolha narrativa mesmo.

Ainda assim, eu estaria mentindo se dissesse que a leitura foi ruim. Pelo contrário: foi divertida, fluida, com aquele toque de adrenalina que os bons livros de ação entregam. Mas é impossível ignorar o quanto ela revela sobre uma mentalidade ultrapassada. Não é só um problema de época, acaba por ser um espelho do quanto avançamos enquanto sociedade. E, paradoxalmente, isso acaba sendo também um dos méritos do livro: servir de lembrete de que certas coisas não podem mais ser aceitas com naturalidade.

“Infelizmente pela obra, ainda bem pela humanidade.”

Então, sim, Viva e Deixe Morrer é um bom livro. Mas é também um livro datado. Não dá pra elogiar sem apontar as falhas. Dá pra aproveitar a trama e reconhecer o talento de Fleming como contador de histórias. Mas é preciso também colocar um pé no presente e enxergar o que já não deveria mais passar. Uma leitura que diverte, mas também provoca incômodo e, nesse caso, isso não é um defeito. É um alerta.

Estilo: Clássicos

Nota da Leitura:

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