Reflexões na fila de um hospital público

Este texto não é meu, a autoria é do meu grande amigo Evandro Ferreira Florscuk, que há 17 anos percorre os corredores do SUS com sensibilidade, coragem e olhar humano.

Bom dia, querido leitor.

Nesta edição, compartilho uma crônica escrita após mais uma ida ao laboratório do hospital público onde me trato há 17 anos. É uma reflexão sobre saúde, paciência e a humanidade que encontramos — e perdemos — nos corredores do SUS.

Espero que essa leitura encontre você bem e com saúde.

São dez e meia da manhã, um dia lindo e ensolarado de inverno. O céu está azul, com promessas de tempos melhores pela frente — apesar da previsão indicar que o tempo vai virar drasticamente em breve.

Estou na sala de espera do laboratório do hospital e, por Deus, sempre me surpreendo com a quantidade de gente. Literalmente, há pessoas saindo pelos corredores. — “Meu Deus, parece a Índia!” — escutei um homem dizer perto de mim.

O hospital que frequento é público, e lá dentro existe de tudo: crianças, idosos, gente morrendo, gente impaciente, gente sendo presa… Tudo mesmo. Já são mais de 17 anos de tratamento nesse hospital. Eu já vi muita coisa, já vi muita gente partir, eu mesmo já quase fui dessa para melhor, contudo, sou um cara de sorte, pois, naquela manhã, lá estava eu, em pé, observando, andando, pensando — enquanto, infelizmente, havia pessoas para quem aquele exame seria o último.

Fiquei esperando em pé por uma hora, até ser chamado por uma mulher japonesa, simpática, de uns 40 anos. Achei graça quando ela tentou pronunciar meu sobrenome e engasgou. Fui até ela, conversamos um pouco. Perguntou a origem do nome e comentou como era difícil de falar. Pediu que eu me sentasse e, assim que o fiz, trouxe a temida agulha para a coleta de sangue.

Quem gosta de agulhas? Acredito que ninguém. Eu mesmo nunca gostei, mas com o tempo aprendi a tolerar. Hoje em dia, sinto cada vez menos dor durante os exames ou tratamentos. Existem agulhas muito piores por aí — como aquelas que retiram sangue arterial do pulso, quando se está numa UTI. Ou tratamentos piores ainda, como a manutenção de uma traqueostomia. Já passei por ambos.

A coleta foi tranquila. Retiraram quatro ou cinco frascos de sangue e assim que terminei de me agasalhar para ir embora, já havia outra pessoa pronta na cadeira — e atrás dela, uma fila enorme saindo pela porta do laboratório.

Deus me livre de falar mal do SUS. Ele não é perfeito, mas devo muito a ele. Me manteve vivo até agora.

“Em todos esses anos de tratamento e exames, aprendi que uma das maiores virtudes é a paciência.”

Longe de mim dizer que sou paciente. Já discuti com médicos, com enfermeiras… Muita coisa acontece no calor do momento, após horas esperando. E, assim como os pacientes enfrentam dificuldades, os profissionais da saúde também carregam seus próprios fardos: falta de insumos, de pessoal, decisões políticas duvidosas, problemas que não podem ser questionados e que trarão consequências graves no futuro.

Enfim, ainda bem que o dia está bonito. Posso caminhar até em casa e aproveitar o Sol de inverno ao meio-dia.

Obrigado por ler até aqui. Se essa crônica tocou você de alguma forma, sinta-se à vontade para comentar, compartilhar ou responder por e-mail.

Até a próxima — e cuide-se.

Com afeto,

Evandro Ferreira Florscuk

Evandro Ferreira Florscuk é meu amigo há mais de 15 anos. Já atravessamos juntos fases boas, ruins, e muitas absolutamente caóticas. A escrita dele é isso: um sopro de lucidez em meio à bagunça da vida.

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