A senhora que fazia jantares para pessoas imaginárias
Uma história sobre ausências, memórias e o afeto que sobrevive na mesa posta
- Publicado em
- por Jean Guimarães

Toda terça, a mesa era posta para seis. Guardanapos dobrados com capricho, copos coloridos combinando com as toalhas, comida fresquinha saindo do forno às 19h em ponto. Às vezes falava com o lugar vazio à direita, como se alguém muito engraçado estivesse sentado ali. A vizinha achava fofo. O zelador achava triste. Ela achava normal.
Melhor conviver com fantasmas educados do que com gente malcriada de verdade.
Cada cadeira tinha uma história. A da ponta era de um amor que só existiu por correspondência. A do meio, de uma amiga que sumiu depois de um curso de cerâmica. À esquerda, um homem que pediu perdão e nunca voltou. Os outros três lugares iam variando. Às vezes eram para versões mais jovens dela mesma. Às vezes para personagens de novelas antigas. Às vezes para pessoas que ela sonhou, mas nunca conheceu de verdade.
As conversas eram longas. Os silêncios também. Servia sopa e ouvia conselhos. Ria de piadas que só ela entendia. Às vezes chorava. E ninguém na mesa a interrompia.
Ela cozinhava com afeto, com ervas frescas e uma colher de saudade. Fazia pratos que lembravam infância, tardes de domingo, cheiros de quintal. Quando a receita dava errado, servia mesmo assim. Os convidados imaginários não reclamavam. Comiam tudo. E elogiavam.
Certa vez, o zelador bateu na porta oferecendo ajuda para carregar as sacolas. Perguntou por que tantas compras se ela morava sozinha. Ela sorriu e respondeu que não morava sozinha. Morava com lembranças.
Um dia, a assistente social foi chamada. Achavam que ela precisava de companhia. Mas quando entraram, viram a mesa posta, ouviram a vitrola tocando uma valsa suave, e decidiram que talvez ela soubesse exatamente o que estava fazendo.
Na última terça, a comida ficou fria. As cadeiras, vazias. A mesa, intocada. A porta, entreaberta. Uma vizinha entrou com cuidado e encontrou apenas um bilhete sobre o prato do meio.
Fui jantar fora hoje. Mas deixei a mesa posta. Nunca se sabe quem pode aparecer.
Desde então, toda terça, a porta se abre sozinha. O cheiro de comida quente invade o corredor. E os vizinhos juram ouvir vozes. Baixas, elegantes, rindo juntas como velhos amigos reencontrados.

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