As desventuras do Seu Lourival
#07

Seu Lourival e a Geladeira de Personalidade Múltipla

Quando até a geladeira decide impor regras de convivência

Tudo começou numa terça-feira qualquer, quando Seu Lourival abriu a geladeira e encontrou um iogurte vencido falando em francês. Achou que era cansaço. Fechou a porta. Abriu de novo. O iogurte agora o olhava com desprezo e dizia, em sotaque carregado: “Vous m’ avez oublié, mon cher.”

No dia seguinte, os ovos estavam organizados em forma de carinha sorridente. No outro, sumiram. No lugar, uma carta:

“Fomos embora. Sua negligência com datas de validade é inaceitável. Adeus.”

Aos poucos, a geladeira foi adquirindo vontades próprias. De manhã, só liberava frutas. À noite, só aceitava comida quente. A manteiga mudava de lugar sozinha. O queijo evaporava sem rastros. A luz interna piscava como numa boate nos anos 80 toda vez que ele abria a porta após as 23h.

Chamou o eletricista. O homem olhou, coçou a cabeça e disse:
— Olha, Seu Lourival… isso aqui é além da minha alçada. Parece mais uma questão de convivência.

Foi então que Lourival começou a deixar bilhetes dentro da geladeira:
“Bom dia, hoje quero uma fatia de bolo.”
“Desculpa ter te ignorado ontem, tava cansado.”
“Preciso muito do leite, por favor.”

E assim, estabeleceram uma convivência passivo-afetiva. Com o tempo, a geladeira parou de esconder os legumes. Ele passou a agradecer sempre que pegava uma água gelada. Criaram uma rotina respeitosa.

Mas às vezes, bem às vezes, ela ainda trocava o suco de laranja por molho shoyu, só de pirraça.

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