A casa onde ainda moro
Uma visita a uma casa antiga, onde os móveis guardam mágoas, as tomadas piscam julgamentos e a lembrança ainda dorme no sofá.
- Publicado em
- por Jean Guimarães

A chave ainda funcionava.
O que, sinceramente, achei ofensivo.
Depois de tanto tempo, era de se esperar uma certa resistência. Uma fechadura magoada, uma maçaneta rancorosa. Mas não. Ela girou como quem diz: “Achei que você não voltava nunca mais.”
A porta rangeu ao ser aberta, mas não era o som que eu esperava. Era mais um gemido dramático. Quase teatral. A casa estava vazia, mas, em algum canto da sala, uma lembrança minha ainda pairava no ar.
O tempo parecia ter parado por ali.
Ou seria eu que estava preso no passado?
Clássico.
Entrei como quem invade o próprio passado sem pedir licença.
O cheiro era o mesmo: uma mistura de mofo, poeira e decisões ruins.
Na parede da sala, o relógio ainda marcava 16h43. A última vez que alguém teve coragem de encarar aquela tarde.
Encontrei o tapete ainda torto, como se tivesse tropeçado em alguma verdade esquecida. A rachadura na parede parecia maior, talvez culpa do tempo, talvez só reflexo das palavras que nunca foram ditas em voz alta.
O sofá ainda tinha o formato do meu arrependimento (e uma nota de cinquenta pilas que eu jurei ter perdido em algum lugar por aí.
Tudo me conhecia ali. As paredes. O chão. A tomada que nunca funcionou e que, agora, só piscava em código morse: por que você voltou?
Sentei no chão, como quem espera ser perdoado por alguém que não está mais lá.
E a casa ficou em silêncio. Mas era um silêncio esnobe.
Do tipo que cruza os braços e ergue uma sobrancelha invisível.
Fiquei um tempo ali, tentando lembrar o que eu queria encontrar.
E entendi: a gente nunca volta pra ver a casa.
A gente volta pra ver se ainda dói.
Dói.
Mas menos.
Levantei, bati a poeira das memórias e fechei a porta.
Dessa vez, com mais força.
Só pra ela ranger de novo e saber que, agora, quem saiu fui eu.

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