A casa onde ainda moro

Uma visita a uma casa antiga, onde os móveis guardam mágoas, as tomadas piscam julgamentos e a lembrança ainda dorme no sofá.

A chave ainda funcionava.
O que, sinceramente, achei ofensivo.
Depois de tanto tempo, era de se esperar uma certa resistência. Uma fechadura magoada, uma maçaneta rancorosa. Mas não. Ela girou como quem diz: “Achei que você não voltava nunca mais.”

A porta rangeu ao ser aberta, mas não era o som que eu esperava. Era mais um gemido dramático. Quase teatral. A casa estava vazia, mas, em algum canto da sala, uma lembrança minha ainda pairava no ar.
O tempo parecia ter parado por ali.
Ou seria eu que estava preso no passado?
Clássico.

Entrei como quem invade o próprio passado sem pedir licença. 

O cheiro era o mesmo: uma mistura de mofo, poeira e decisões ruins.

Na parede da sala, o relógio ainda marcava 16h43. A última vez que alguém teve coragem de encarar aquela tarde.

Encontrei o tapete ainda torto, como se tivesse tropeçado em alguma verdade esquecida. A rachadura na parede parecia maior, talvez culpa do tempo, talvez só reflexo das palavras que nunca foram ditas em voz alta.

O sofá ainda tinha o formato do meu arrependimento (e uma nota de cinquenta pilas que eu jurei ter perdido em algum lugar por aí.

Tudo me conhecia ali. As paredes. O chão. A tomada que nunca funcionou e que, agora, só piscava em código morse: por que você voltou?

Sentei no chão, como quem espera ser perdoado por alguém que não está mais lá.
E a casa ficou em silêncio. Mas era um silêncio esnobe.
Do tipo que cruza os braços e ergue uma sobrancelha invisível.

Fiquei um tempo ali, tentando lembrar o que eu queria encontrar.
E entendi: a gente nunca volta pra ver a casa.
A gente volta pra ver se ainda dói.

Dói.
Mas menos.

Levantei, bati a poeira das memórias e fechei a porta.
Dessa vez, com mais força.
Só pra ela ranger de novo e saber que, agora, quem saiu fui eu.

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