A garota que decidiu parar o tempo com fita crepe
Uma crônica sobre o tempo, fita crepe e o absurdo de querer que tudo pare quando a gente ainda não sabe bem como continuar
- Publicado em
- por Jean Guimarães

Foi depois da terceira bronca seguida que ela teve a ideia.
“Hora de escovar os dentes.”
“Hora de desligar a TV.”
“Hora de dormir.”
Tudo era hora. Mas e se a hora… não passasse?
Pegou a fita crepe da gaveta de artes da escola.
Subiu no banquinho da cozinha, alcançou o relógio da parede da sala e colou uma tirinha bem firme no ponteiro dos minutos.
“Pronto. Agora ninguém me tira do desenho animado.”
Funcionou.
O ponteiro ficou preso.
O tempo… também.
A mãe parou no meio da frase.
O cachorro congelou no ar, a caminho do salto.
O leite deixou de ferver.
As broncas sumiram.
Ela comeu biscoito sem ninguém ver, pegou o celular da mãe, viu cinco episódios seguidos do desenho proibido.
Tava tudo ótimo.
“Ela colou o ponteiro do relógio e, por algumas horas, foi a dona do tempo. Mas a eternidade começou a ser meio solitária.”
Tentou soltar a fita.
Nada.
Puxou com força.
Nada.
Desesperada, correu até a rua.
Tudo parado.
Gente parada.
Carros parados.
Passarinhos parados com o bico aberto, tipo nota musical.
Sentou no meio da calçada e chorou.
A fita, que até então era o símbolo da liberdade, agora parecia castigo.
Foi quando ouviu uma voz:
“Ei… você também tá presa aqui?”
Era um menino.
Com um boné virado pra trás e um pirulito na mão congelado pela metade.
“Também tentei parar o tempo uma vez. Usei Super Bonder. Não recomendo.”
Eles riram.
Ou quase riram, ainda estavam em meio tempo, afinal.
Juntos, começaram a puxar o ponteiro.
Com calma.
Com conversa.
Com promessas de que não precisavam acelerar, mas que também não dava pra ficar parados pra sempre.
E o tempo, sensível como ele só, pareceu escutar.
O ponteiro andou.
A cidade voltou.
O cachorro caiu no chão e seguiu correndo como se nada.
Ela olhou pro relógio.
Ainda era hora de escovar os dentes.
Mas, dessa vez, foi por vontade própria.

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