Quando a ficção científica questiona o que é ser humano
Ursula K. Le Guin é o tipo de autora que te joga no meio de uma paisagem completamente diferente e, ainda assim, consegue fazer com que tudo soe familiar. A Mão Esquerda da Escuridão é mais do que um livro de ficção científica. É um questionamento profundo sobre identidade, relações humanas e, principalmente, o que acontece quando a gente deixa de rotular tudo.
"É impossível odiar alguém de quem se conta uma história"
Gênero, política e solidão no planeta da ambiguidade
Ursula K. Le Guin é o tipo de autora que te joga no meio de uma paisagem completamente diferente e, ainda assim, consegue fazer com que tudo soe familiar. A Mão Esquerda da Escuridão é mais do que um livro de ficção científica. É um questionamento profundo sobre identidade, relações humanas e, principalmente, o que acontece quando a gente deixa de rotular tudo.
A história se passa em Gethen, um planeta gelado e hostil, habitado por seres humanos que não têm gênero fixo. Isso já muda tudo. Os personagens são andróginos, e essa condição transforma completamente a forma como eles se relacionam, pensam e vivem. O protagonista, Genly Ai, vem de outro planeta e chega ali cheio de ideias pré-concebidas, como qualquer um de nós. E aos poucos vai percebendo que nada do que ele sabe sobre o outro serve para compreender o que vê.
Leitura fácil? Não é. Em vários momentos, me peguei voltando algumas páginas para entender melhor o que estava acontecendo. Mas isso faz parte do charme do livro. Ele não é pra ser digerido rápido. É um daqueles que você fecha e continua ruminando por dias. Tem passagens mais lentas, sim. Tem muita política e intriga. Mas tem também alguns dos momentos mais poéticos e sensíveis que já li em uma obra de ficção científica.
O que mais me marcou foi a relação entre Genly e Estraven. Uma amizade que começa atravessada por desconfianças, silêncios e diferenças irreconciliáveis. E que, no fim, vira um laço profundo, de um afeto que não precisa de definição. Tem amor ali, mas não do jeito que estamos acostumados. É mais sutil. Mais sincero.
A crítica social de Le Guin é afiada. Ela mostra como nossa necessidade de dividir tudo entre opostos limita a forma como enxergamos o mundo. Masculino ou feminino, certo ou errado, luz ou escuridão. Em Gethen, essas dualidades não fazem sentido. E isso abre um espaço enorme para repensarmos nossas próprias certezas.
Fico pensando como esse livro, escrito em 1969, continua tão atual. Enquanto a gente ainda debate o básico sobre identidade de gênero aqui na Terra, Le Guin já tinha escrito um planeta inteiro onde isso nem é assunto. E não de forma panfletária, mas literária, simbólica, profunda.
Não é uma leitura pra todo mundo. Mas se você gosta de sair da zona de conforto, esse livro é um presente. Ele não entrega respostas prontas. Só abre uma fresta. E às vezes, é só isso que a gente precisa para começar a enxergar diferente.

Estilo: Ficção Científica
Nota da Leitura:
★ ★ ★ ★ ☆
Gostou do livro?
Se for comprar, usa meu link da Amazon. Você não paga nada a mais e ainda ajuda o Cotidiamenidades a seguir firme. Você leva o livro e eu ganho uns trocadinhos pra manter o café e as crônicas em dia.