A mulher que transformou o TOC em religião

Quando a repetição vira doutrina e o controle vira crença

No começo era só mania.
Contar os passos, alinhar os talheres, verificar sete vezes se o gás estava fechado.
Mas com o tempo, tudo ganhou um certo ritual. E os rituais, bem… ganharam fiéis.

Dona Clotilde acordava às 6h06. Sempre.
Tomava sete goles de água. Dava doze batidinhas na porta antes de sair. Pisava apenas nas lajotas ímpares da calçada.
Se errasse, voltava tudo.
Chorava em silêncio, fazia o sinal da cruz e recomeçava o dia.

No bairro, achavam curioso.
No início era piada.
Depois virou hábito.
Logo, uma mulher começou a imitá-la.
Depois outra.
Quando se deu conta, havia uma fila de vizinhas batendo nas próprias portas doze vezes, em perfeita sincronia.

“É pela paz interior”, diziam.
“Ajuda no sono”, juravam.

Montaram um grupo no WhatsApp: Ritualistas da Manhã.
Clotilde foi nomeada Mestra Coordenadora dos Ciclos Repetitivos.
Fizeram camisetas com frases como “Sem contar, não há salvação” e “A simetria vos libertará”.

Começaram a se reunir aos domingos para recitar mantras como:
“Lave, enxágue, repita. Lave, enxágue, repita.”

Criaram um templo com piso quadriculado e cadeiras milimetricamente espaçadas.
O culto era breve, mas precisava ser repetido três vezes.
Por garantia.

Quando um curioso perguntou qual era o deus daquela fé, Clotilde respondeu sem piscar:

“Deus? Não tem. A gente acredita é no controle.”

Um dia, alguém tentou quebrar o ciclo.
Tirou um tapete do lugar.
Virou um talher ao contrário.
E saiu sem contar os passos.

Foi excomungado.
Sumiu do grupo.
E, dizem, passou a viver perigosamente: deixando a cama desarrumada e tomando café sem lavar a caneca da noite anterior.

Clotilde lamentou.
Mas seguiu.
Contando.
Alinhando.
Repetindo.
Feliz.
Ou quase.

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