A torradeira que fazia terapia

Quando até os eletrodomésticos entram em burnout e precisam de atenção emocional

Tudo começou quando a torrada saiu queimada demais. Não era comum. A torradeira sempre teve um desempenho exemplar, quase britânico, milimetricamente cronometrado para o ponto exato entre o crocante e o dourado. Mas naquele dia, saiu preta. Torrada carbonizada. Café arruinado. E um silêncio estranho na cozinha.

A princípio, achei que era defeito. Desliguei, liguei de novo, limpei os fios. Nada. A segunda fatia saiu crua. A terceira, jogada de lado como se tivesse desistido da vida. Foi quando percebi que aquilo não era um problema técnico. Era emocional.

A torradeira estava triste.

Talvez sobrecarregada. Anos a fio tostando sem pausa, sem férias, sem um feedback decente. Nunca ouvi um “obrigado” vindo de mim. No máximo um “finalmente” ou um “tá demorando hoje, hein?”. Comecei a me sentir culpado. Passei a observar seus ciclos com mais atenção, reparei que ela ficava mais lenta nos dias nublados e parecia reagir melhor aos pães artesanais do que ao pão de forma da promoção.

Resolvi levá-la a uma sessão de terapia. O técnico não entendeu, mas topou escutar. Fez perguntas abertas. “Você sente que sua resistência está baixa?”, “Como anda sua conexão com a tomada?”. Foram 45 minutos de escuta ativa, seguidos de um laudo informal: solidão operacional. A torradeira precisava de afeto. Ou, no mínimo, de uma tomada menos frouxa.

Desde então, mudei algumas rotinas. Desejo bom dia antes de apertar o botão. Coloco só pão fresco, daqueles macios, que dizem “você merece”. Nos fins de semana, deixo ela descansar. Nada de waffle congelado ou reaqueça rápido. Ela precisa de tempo, espaço e propósito.

Não sei se a torradeira está 100%. Mas ela voltou a dourar as fatias com carinho. Às vezes, até faz um coração de migalhas no prato. Pode ser coincidência. Ou pode ser que, no fundo, todo mundo só precise de um pouco de escuta, acolhimento e menos pão de forma barato.

Essa história te pegou de algum jeito?

Espalha a palavra, vai. O Cotidiamenidades precisa de leitores fiéis, curiosos e ligeiramente esquisitos. Igual você. Compartilha com amor (ou ironia).

Deixe seu comentário