A vizinha que conversava com os pombos

Uma crônica sobre vizinhos excêntricos, aves militantes e a revolução que começou com um “eu também te amo”

Toda manhã, no mesmo horário, lá estava ela.
Na janela do 302, com rolinhos no cabelo, copo de Nescau na mão e um sermão preparado pros pombos que pousavam no fio.
“Não me olhe com essa cara, Osmar, você sabe muito bem o que fez ontem!”
“Eu tô de olho, Irene. Viu o estado da minha varanda?”
Era uma senhora meticulosa. Sabia o nome de cada pombo. E discutia como quem briga com a administração do prédio.

A maioria achava que ela era doida. Outros diziam que era carente. Alguns apostavam que os pombos eram fantasmas.
Mas ninguém imaginava que, um dia, um dos pombos responderia.

“Também te amo, Dona Lurdes”, disse o pombo, com a voz grave de um radialista dos anos 70.
Silêncio. O bairro parou. A cidade estremeceu.

Na semana seguinte, os pombos começaram a descer até o térreo para fumar cigarro e debater economia.
Os mais novos viraram entregadores de aplicativos.
Um deles passou num concurso público.
Outro entrou na câmara de vereadores.
E um casal organizou uma passeata exigindo a inclusão dos pombos nos censos demográficos.

Dona Lurdes virou porta-voz oficial.
“Eles sempre estiveram tentando conversar. A gente que nunca escutou.”
Virou celebridade. Dava entrevistas, curso de pombo-comunicação e vendia camisetas com os dizeres:

"Respeite o cocô no seu carro. Pode ser um protesto.”

Mas um dia os pombos sumiram.
Todos. De uma vez.
A cidade voltou ao normal.
Silêncio, buzinas, boletos, trânsito.

Dona Lurdes? Continua ali.
Falando com a fiação elétrica.
Vai que um dia ela responde também.

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