Café sem açúcar e verdades sem filtro

Um café sem açúcar, uma padaria comum e uma enxurrada de verdades que ninguém pediu, mas talvez precisasse ouvir.

Dizem que o café sem açúcar revela o verdadeiro sabor do grão.
Na minha rua, ele revela um pouco mais.

Tudo começou num dia comum, desses em que o sono pesa mais que a vontade de existir. Entrei na padaria da esquina e pedi um café.
A atendente, sorridente demais para alguém que acorda às cinco, avisou:

— Nosso café de hoje tá sem açúcar. Mas… com verdade.

Sorri sem entender. Dei o primeiro gole e, de repente, ouvi uma voz, não da moça, nem da TV ligada na Ana Maria. Era uma voz interna. Só que em viva-voz.

— Você não gosta do seu trabalho. Só continua porque tem medo de tentar outra coisa.

Olhei em volta, achando que alguém tinha dito aquilo. Ninguém. Outro gole:

— E aquela amizade que você insiste em manter? Já morreu faz tempo. Você só tem apego à lembrança.

Tentei cuspir, mas o gole já tinha descido.
Pedi um pão na chapa pra disfarçar. A moça voltou, simpática como se nada estivesse acontecendo.

— Quer com manteiga ou com memória reprimida?

Naquela padaria, o café amargo servia de cana

Cada gole, uma verdade crua, dessas que a gente empurra com açúcar desde a adolescência.

Vi um homem sair chorando depois do expresso. Uma mulher sorriu aliviada ao terminar o cappuccino e dizer “é verdade, eu nunca amei ele”. Um menino derrubou o copo e, antes que caísse, gritou “não fui eu que quebrei o vaso da vovó!”

Dizem que o dono da padaria era psicólogo. Que cansou de ouvir. Resolveu servir.

Passei a ir lá toda segunda. Me ajudava mais que terapia.
Até o dia em que pedi adoçante e a atendente franziu a testa.

— Adoçante, não. Aqui a gente serve o amargo.
E se quiser doce… tem bolo. Mas é de cenoura. Sem cobertura.

Desde então, aprendi.
Às vezes, tudo que a gente precisa é de um gole amargo e uma frase honesta.
O resto, a gente digere depois.

Essa história te pegou de algum jeito?

Espalha a palavra, vai. O Cotidiamenidades precisa de leitores fiéis, curiosos e ligeiramente esquisitos. Igual você. Compartilha com amor (ou ironia).

Deixe seu comentário