O elevador que só subia quando elogiado

Um conto sobre vaidade, convivência e um toque de gentileza mecânica.

No começo, acharam que era problema no motor. O elevador vivia enguiçado, pelo menos uma vez por semana dava problema. Suspeitaram da idade do prédio. Mas bastava alguém entrar, olhar pro espelho com gentileza e dizer “tá bonito hoje, viu?”, que o elevador subia macio até a cobertura. Ignorava quem estava apressado. Travava com quem bufava.

Demorou um tempinho para perceberem que ele só funcionava com esse toque de carinho. Quando perceberam, virou até regra do condomínio com plaquinha e tudo: “elogie ou vá de escada”.

No início, a maioria achava besteira. Mas depois de tantos lances de escada, o pessoal começou a se adaptar. Um “você é essencial pra mobilidade urbana” aqui, um “esse painel tá cada dia mais reluzente” ali. E o danado subia todo pimposo, como se sorrisse por dentro.

Aos poucos, o comportamento mudou. Vizinhos que nunca se olhavam passaram a treinar elogios no espelho. Crianças diziam “obrigado, elevadorzinho” como se fosse um bicho de estimação. Até os mais ranzinzas se renderam. Um senhor do 702, que nunca falava com ninguém, foi visto dizendo baixinho: “você é o melhor elevador que já conheci”. Subiu direto, sem nem dar tranco.

Mas o sistema era sensível. Bastava um comentário maldoso, um elogio forçado ou sarcasmo velado, e ele travava. Ficava ali, no meio do caminho, fazendo um barulho estranho. Teve uma senhora que tentou enrolar com um “gostei da sua… porta”. Ficou presa entre o quarto e o quinto andar por quarenta minutos.

Com o tempo, virou lenda urbana. Diziam que o elevador sentia. Que reconhecia verdades. Que só aceitava carinho sincero.

Um dia, alguém tentou passar sem elogiar. Estava atrasado, nervoso, falando alto no telefone. O elevador subiu meio metro, parou e desceu tudo de novo. Abriu a porta, silencioso. Não quis conversa.

Agora, ninguém mais arrisca. Todos entram, respiram fundo, olham pro espelho com respeito e dizem o que sentem.

“E o elevador, vaidoso como sempre, sobe como se flutuasse.”

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