O rapaz que virou a própria boçalidade
Uma crônica sobre egos infláveis, autoconfiança desmedida e o perigo real de virar a própria arrogância
- Publicado em
- por Jean Guimarães

Ele sempre foi um pouco boçal.
Aquele tipo de gente que corrige pronúncia no meio da conversa, elogia a própria humildade e conta anedotas como se o mundo fosse plateia.
Mas o problema não era ser um pouco boçal.
É que ele foi ficando mais boçal a cada dia.
Começou dizendo que sabia fazer um arroz melhor que de mãe.
Depois, que tinha lido todos os russos e entendido.
Fez um curso de três horas e se proclamou especialista em vinho, cinema iraniano e fungos.
Num sábado, disse que só tomava café se o grão tivesse sido colhido por um monge tibetano destro.
Na terça, afirmou que já havia recusado um convite da ONU por pura modéstia.
Na sexta seguinte, aconteceu: a boçalidade dele criou vida própria.
Começou com um vulto.
Um contorno que crescia atrás dele nas fotos.
Depois, um tom de voz duplicado, mais alto, mais seguro, mais irritante.
Aos poucos, ele foi ficando pequeno diante da própria boçalidade.
As pessoas já não falavam com ele, falavam com a aura.
Um campo magnético de frases feitas, gestos performáticos e citações em latim.
"A boçalidade dele cresceu tanto que virou autônoma. E ele virou coadjuvante de si mesmo."
Tentou se esconder.
Mas a boçalidade o encontrava.
Na fila do pão, ela dizia que você vai mesmo comer glúten?
Na farmácia, só uso fórmulas manipuladas em laboratórios artesanais da Eslovênia.
Por fim, o rapaz sumiu.
Foi engolido pela própria arrogância.
Restou só a boçalidade, flutuando por aí.
Corrigindo estranhos, recomendando livros que nunca leu e dizendo que não é por mal, é só opinião sincera.
Dizem que às vezes ela aparece no LinkedIn.

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