As desventuras do Seu Lourival
#03
Seu Lourival e a Máquina de Lavar Tempo
Quando a lavadora do Seu Lourival começou a lavar cuecas no passado e devolver colheres do futuro, ele percebeu que talvez fosse hora de parar de tentar entender.
- Publicado em
- por Jean Guimarães

Tudo começou quando a lavadora parou de centrifugar e passou a fazer um som esquisito. Era como um tique-taque, só que em reverso. Um barulho que parecia engolir o tempo em vez de marcá-lo.
“Problema no tambor”, pensou Seu Lourival, ajeitando os óculos que não usava. Chamou o técnico. O técnico veio, olhou por cinco segundos, suspirou fundo e soltou:
— Isso aqui não é mais uma lavadora. É uma anomalia temporal.
Seu Lourival achou que era metáfora. Mas o técnico insistiu. Explicou que o modelo da máquina, raríssimo e descontinuado desde os anos 90, havia começado a girar tão rápido que estava ultrapassando a barreira do tempo-espaço. As roupas estavam sendo lavadas em outros horários, talvez em outras décadas. As cuecas voltavam limpas antes mesmo de terem sido usadas. Algumas meias desapareciam em 2003 e reapareciam com cheiro de futuro em 2048.
— E a flanela de limpar espelho? — perguntou, aflito.
— Provavelmente foi parar no século XIX. O senhor tem algum ancestral faxineiro?
No começo, achou graça. Mas o pânico bateu quando a máquina começou a devolver objetos que ele nunca tinha colocado. Um boné holográfico com sensor de humor, uma colher que piscava em código Morse e um cartão plastificado com o nome “Lourival Neto, Embaixador Intergaláctico de Higiene”.
— Isso aí é seu bisneto — garantiu o técnico, dando um tapinha amigável nas costas de Lourival. — Um herói da limpeza em Júpiter.
Ele pensou em desligar da tomada. Mas ficou com medo de desaparecer da própria cronologia. E se fosse ele o responsável pelo nascimento do próprio bisneto espacial? E se estivesse prestes a criar um paradoxo com cheiro de amaciante?
Tentou doar a máquina. Ninguém aceitou. Tentou vendê-la. O único interessado era um colecionador de realidades alternativas, mas ele só pagava em criptomoedas extintas.
No fim, Lourival aceitou o destino. Decidiu usar a lavadora apenas para panos de prato. Só panos de prato. Eles sumiam também, mas pelo menos ninguém reclamava.
Hoje em dia, toda vez que entra na lavanderia e ouve aquele tique-taque ao contrário, ele fecha os olhos e se pergunta:
“Será que minha camiseta de bolinha já conheceu Napoleão?”
Ninguém tem a resposta.
Mas às vezes, no varal, aparece uma roupa estendida com etiqueta em outra língua, outro planeta, outro tempo.

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