As desventuras do Seu Lourival
#01

Seu Lourival e o App que Previa o Futuro

Quando a tecnologia deixa de ajudar e começa a se intrometer no destino de um aposentado.

Seu Lourival sempre foi meio desconfiado de celular. Pra ele, telefone bom era aquele com fio, barulhento, que ficava na parede da cozinha e te dava um choque se chovesse demais. Um aparelho de verdade, que não ficava piscando, vibrando e muito menos sugerindo pizzarias veganas a 3 km.

Mas o tempo passou e a neta, Rebeca, depois de insistir horrores, conseguiu fazer o avô usar um smartphone. “É só pra te deixar por dentro do grupo da família, vô!”, dizia. Aí, ela foi lá e instalou um app esquisitíssimo, desses que aparecem do nada na loja virtual: o PreviDito™, “o único app que prevê seu futuro em tempo real”.

Lourival deu uma bufada. “Isso é só coisa de jovem. O único que previa meu futuro era o padre Clodoaldo da rádio, e ele sempre errava nos horóscopos.”

Mas a curiosidade falou mais alto. Na primeira notificação, o app mandou:

“Café derramado em 3, 2, 1…”

E o café caiu.

Na calça.

Quente.

Queimou não só a perna, mas também a teimosia.

Nos dias seguintes, o PreviDito virou um oráculo insuportável.

“Discussão com a síndica às 18h12.” E aconteceu.

“Furto do controle remoto pelo gato às 03h15.” O gato realmente arrastou o controle pra dentro da sapateira.

“Coceira inexplicável na orelha esquerda às 11h09.” Bingo.

Ele começou a acordar e checar o app antes até de escovar os dentes. “Vamos ver o que me espera hoje…” dizia, como quem lê o jornal. Um dia, o PreviDito mandou:

“Você vai usar meias diferentes em cada pé sem perceber.”

E, claro, ele só percebeu na fila do banco, quando uma senhora apontou e perguntou se era moda.

Tentou deletar o app. E o app respondeu:

“Você vai tentar me apagar mais 37 vezes antes de aceitar seu destino.”

Desligou o Wi-Fi.

“Não adianta, Seu Lourival. Eu sou o 5G emocional da sua vida.”

A neta achava tudo muito engraçado. “É tipo Black Mirror, vô!”

Ele achava mais parecido com uma maldição da Mesopotâmia.

Desconfiado, começou a vigiar os vizinhos.

“Essa Dona Elza do 403 tem cara de quem mexe com satélite.”

“Esse motoboy aí não é motoboy coisa nenhuma… tá de olho na minha previsão intestinal.”

Cansado, decidiu se rebelar. Jogou o celular dentro do vaso sanitário. O PreviDito avisou:

“Molhar o destino não muda o futuro.”

Secou o aparelho com arroz, e o arroz queimou.

Tentou deixar o celular num pote de vidro com sal grosso e arruda. Nada.

Quando achou que finalmente estava se livrando, o app mandou uma última notificação:

“Torta de atum. Amanhã. 11h45.”

Lourival congelou.

A Megera do 203, que fazia uma torta de atum fedida desde 1986, sempre surgia nos piores momentos. Seria só uma coincidência?

No dia seguinte, 11h45 em ponto, a campainha tocou.

— Fiz uma torta, seu Lourival. Sobrou um pedaço. Quer?

Ele fechou a porta.

Olhou pro celular.

Olhou pra torta.

Jogou o celular pela janela.

Jogou a torta também.

A vizinha não entendeu nada. O gato comemorou. E o PreviDito, de algum jeito, continuou funcionando. Agora instalado no relógio de parede.

Essa história te pegou de algum jeito?

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