As desventuras do Seu Lourival
#05

Seu Lourival e o Espírito do Wi-Fi

Quando a internet parou de funcionar, foi a vida dele que começou a reconectar.

Tudo começou com a internet oscilando.

Seu Lourival achava que era culpa da parede, da antena ou da vizinha de cima que usava micro-ondas com má intenção. Tentou mudar o roteador de lugar, pendurou um crucifixo no cabo, até soprou a tomada com fé renovada. Nada resolvia. As lives travavam. Os boletos não carregavam. O YouTube só exibia vídeos de 2009.

Mas o que mais o intrigava eram os sussurros.

Sempre que digitava a senha da rede, o modem piscava de um jeito esquisito. E uma voz, baixa e impaciente, dizia:
— De novo não, Lourival.

Achou que estava ficando maluco. Ou que a menopausa eletromagnética dos eletrodomésticos tinha atingido seu ápice. Mas a verdade é que, depois de alguns dias, ele parou de tentar. A internet conectava sozinha. Com sinal fraco, mas sarcasmo forte.

Na terça, a televisão ligou sozinha às três da manhã num vídeo de meditação guiada por um monge tailandês chamado Fábio. Na quarta, o Google Maps começou a sugerir caminhos alternativos que passavam por livrarias, confessionários e consultórios de psicologia.

Na quinta, apareceu um e-mail misterioso na caixa de entrada com o assunto:

“Você precisa se reconectar. Mas não é com a internet.”

A mensagem não tinha remetente. Só um GIF animado de um roteador sorrindo.

Lourival decidiu enfrentar o Wi-Fi.

Deslogou de tudo. Apagou os dispositivos da rede. Reiniciou o roteador. Desplugou todos os cabos. Rezou um Pai Nosso. E um backup da vida. Só por garantia.

Foi então que a voz voltou.

— Muito bem. Agora que estamos a sós, podemos conversar.

Desde então, toda noite, ele se senta no escuro da sala e escuta os conselhos do Wi-Fi. Sobre como reorganizar a vida. Sobre colocar menos peso nos ombros e mais flores na janela. Sobre limpar a memória interna com menos culpa e mais compaixão.
O Wi-Fi sugeriu que ele deletasse ex-namoros da pasta de lembretes emocionais. Que esvaziasse a lixeira dos arrependimentos. Que atualizasse o antivírus da alma.

Lourival obedeceu. Baixou o perdão em alta resolução. Instalou o afeto com patch de segurança. E reiniciou o coração.

O sinal continua péssimo. Mas a conexão nunca foi tão boa.

Essa história te pegou de algum jeito?

Espalha a palavra, vai. O Cotidiamenidades precisa de leitores fiéis, curiosos e ligeiramente esquisitos. Igual você. Compartilha com amor (ou ironia).

Deixe seu comentário