As desventuras do Seu Lourival
#06

Seu Lourival e o Filho do Vizinho com o Martelo Barulhento

Quando o barulho do outro ecoa exatamente onde a gente mais precisa de silêncio

Era domingo, 7h14 da manhã, quando o primeiro toc toc toc ecoou pelas paredes do apartamento.
Seu Lourival pensou que fosse um pesadelo. Mas o martelo continuou:
toc toc toc — pausa — toc toc TOC.
Tinha ritmo de vingança. E precisão cirúrgica para bater exatamente no momento em que ele tentava cochilar de novo.

Descobriu mais tarde que o barulho vinha do filho do vizinho do 604. Um menino franzino, com um capacete de brinquedo e um martelinho amarelo que parecia ter sido forjado em Mordor.
Martelava tudo: sofá, parede, bicicleta, cachorro.
Era como se o mundo fosse feito de pregos invisíveis, e ele fosse o escolhido.

Lourival tentou ignorar. Colocou fone de ouvido. Ligou o ventilador no modo tufão. Passou aspirador de pó só de raiva. Nada abafava o martelo.
Em dado momento, cogitou bater na porta do vizinho. Mas lembrou que, da última vez que tentou reclamar, saiu de lá com um convite para aula de zumba e dois brigadeiros de micro-ondas.

No terceiro dia de marteladas, começou a duvidar da própria sanidade.
O som parecia vir de dentro da própria cabeça.
“Toc toc toc”, ecoava no cérebro, entre uma ideia esquecida e outra.

Foi aí que decidiu enfrentar o menino.
Desceu, bateu na porta, e o menino apareceu com o martelo na mão. Olhar determinado.
Antes que Lourival dissesse qualquer coisa, o garoto ergueu o martelinho, apontou para ele e declarou:

“Você está quebrado. Estou tentando consertar.”

Lourival congelou.
Deu meia-volta, subiu as escadas devagar, e pela primeira vez, percebeu que talvez estivesse mesmo fazendo barulho por dentro.

Na manhã seguinte, acordou antes das marteladas.
Esperou pelo som.
Quando não veio, sentiu falta.
O silêncio parecia ter algo de perigoso também.

Desde então, toda vez que o martelo toca, ele respira fundo e agradece.
Às vezes, é bom ter alguém tentando consertar a gente.

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